Pesquisar este blog

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Fragmento do texto "Noventa e três", de Mia Couto

(...) O avô levantava um olhar silencioso, sem luz. Sorria o tempo todo: não queria cometer indelicadeza. O avô fingia, aniversariamente. Porque em nenhum outro dia os outros dele se recordavam. Deixavam-no poeirando com os demais objetos da sala. Esta noite, as prendas se juntam e ele apalpa os embrulhos. O seu gesto não leva desacerto. Afinal, não há mão mais segura que a do cego. Porque o cego agarra o que há e o resto não acontece. Lugar de quem não vê está sempre certo: afinal, só erra quem pode escolher. O velho agradece, vidente invisual. Tudo estando longe da vista, perto do coração (...).

 
 
 


Júlio César (03-05-2017)



 

Nenhum comentário:

Postar um comentário