A hora da estrela, Clarice Lispector.
Rio de janeiro: Rocco, 1998. 87p.
Por Valéria Maria de oliveira da SILVA-UECE/SEDUC
A obra A hora da estrela de
Clarice Lispector, escritora de certa tendência intimista e adepta ao
existencialismo, têm como eixo principal o questionamento do ser, o
estar-no-mundo e a pesquisa do ser humano indo sempre em busca da compreensão
da individualidade. A escritora analisa as características que constituem os
indivíduos e não se preocupa com a construção de um enredo estruturado com
começo, meio e fim.
O romance é narrado por Rodrigo S. M. que se identifica como autor da
história de Macabéa, moça nordestina de 19 anos que migrou do sertão de Alagoas
para o Rio de Janeiro. O narrador diz ter a necessidade de contar sobre a
nordestina e se projeta nela para refletir sua própria vida. Portanto, ele
sofre um deslocamento para dentro da narrativa, transformando-se em personagem
e em virtude disso, ele é narrador de Macabéa e protagonista de outra história
que se cruza com a dela. A esses relatos interligam-se os questionamentos de
Rodrigo sobre sua maneira de narrar e os motivos que o levam a escrever.
Macabéa é substituível como milhares de nordestinos que são engolidos
pelas cidades grandes. Inicialmente, sua única conexão com o mundo é uma tia
que lhe criou depois da morte dos pais, depois é Olímpico, um namorado
nordestino que conhece nas ruas do Rio. Os dois têm em comum às origens, a
infância sofrida e a vida difícil que enfrentam na terra estranha, porém, ela é
introvertida e sem perspectivas, enquanto ele é extrovertido, ambicioso e
maltrata a namorada. Olímpica troca Macabéa por Glória, colega de trabalho da
protagonista, pois esta é um meio dele conseguir ascensão social, visto que era
carioca e filha de açougueiro. A partir daí, Glória será a conexão de Macabéa
com o mundo. A morte a faz atingir seu objetivo: é a hora da estrela.
Macabéa é um substantivo coletivo, a resistente raça teimosa, o Nordeste
rural com suas dificuldades contracena com a engrenagem urbana, a cidade
inconquistável. Ela é o grito daqueles que estão marginalizados social e
existencialmente, denunciando uma classe social pobre e sem consciência
política. Clarice Lispector usa a literatura para denunciar o problema da
miséria no Brasil, trazendo reflexões sobre a migração do nordestino e a sua
adaptação ao eixo urbano do sul do país. Ela apresenta a estrutura interna do
ser humano massacrado, questionando o mundo organizado e a cultura dominante.
Através da originalidade do estilo e da profundidade psicológica no
enfoque de temas aparentemente banais, descortina-se a pobreza feia e promíscua
e ao mesmo tempo a singeleza de vidas tão pouco interessantes, indo além da
descrição realista de um cotidiano inexpressivo. A narrativa transita entre o
lado trágico e o lado esplêndido da vida, entre a fragilidade e a grandeza do
ser humano.
Escrito com muita criatividade e simplicidade A Hora da Estrela é um romance excepcional, com poucos diálogos e
muitas percepções do narrador que nos deixa totalmente envolvidos e apaixonados
pela narrativa. Pode ser considerado como um dos mais belos romances de Clarice
Lispector por ser a junção do conjunto de sua obra, sendo, pois sem dúvidas a
sua própria hora de estrela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário